quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

JUDEUS EM PORTUGAL - A CONVERSÃO FORÇADA DE 1497

 

Inicialmente, devo registrar que há referências da presença de judeus na Península Ibérica desde a Antiguidade. Durante séculos os judeus que viviam no território que hoje conhecemos como Portugal e Espanha não tiveram maiores problemas. Mas, na medida que o tempo passava, tal comunidade prosperou devido, principalmente, ao grande comércio português, com participação significativa dos judeus. Tal situação gerou insatisfação na população não judaica, principalmente pelo fato das comunidades judaicas acumularem grandes fortunas e controlarem o comércio local.

O fato dos judeus terem religião própria, com suas tradições foi de encontro a fé católica, que culpava os judeus pela morte de Jesus Cristo. Somando-se a isso as grandes fortunas acumuladas por eles, baseada na usura que os judeus praticavam nas transações comerciais, o que via de regra, causava disputas econômicas e discórdias acabou por dar origem a uma série de acontecimentos que lhe foram desfavoráveis.   

Em 1492, os reis FERNANDO e ISABEL, emitiram o Decreto de Alhambra, expulsando os judeus dos reinos de Castela e Aragão, o que culminou em uma migração destes para as fronteiras com Portugal onde procuraram abrigo. Muitos refugiados esperavam que o decreto de expulsão fosse revogado, possibilitando assim o regresso a Espanha. Fato esse que não aconteceu.

Em 1496, D. Manoel I (apelidado de o Venturoso) de Portugal casou com D. Isabel I (filha dos reis católicos, Fernando e Isabel, que emitiram o decreto de expulsão dos judeus). Uma das condições do casamento era que o rei português devia expulsar os judeus de Portugal.

Já no mês seguinte ao casamento ele decretou a ordem de expulsão dos judeus (e dos mouros também). Caso não o fizessem seriam condenados à morte e todos seus bens seriam confiscados pela coroa. Uma época terrível para os judeus. Mas, tal decisão não foi muito bem vista pelo Conselho de Estado, vez que com a saída dos judeus de Portugal ocorreria também a saída de capitais do país, prejudicando a economia nacional.

Em consequência, temendo a derrocada financeira de Portugal o rei D. Manoel I ordenou que aqueles que se convertessem ao cristianismo poderiam permanecer no país. Dando o prazo para que esses judeus fossem batizados até a Pascoa de 1497. Os que não conseguiram fugir foram convertidos forçadamente.

Os que saíram do país levaram grande parte de suas fortunas, o que levou o rei em 1499 a proibir negócio (comércio) com os judeus e impedia os conversos de saírem do reino sem prévia autorização.

Muitos dos convertidos, chamados de cristãos novos (XN) conservaram a fé e as tradições judaicas, ou seja, continuaram a praticar o judaísmo ainda que em segredo, Só se convertiam na palavra.

Por conta de um incidente que ocorreu em abril de 1506, envolvendo um cristão novo e cristãos velhos, uma série de conflitos ocorreram. Muitos cristãos novos foram assinados, queimados em fogueiras e seus bens pilhados.  Massacres ocorreram em Lisboa. Arrombavam portas de casas, em busca de cristãos novos os quais eram queimados vivos. Mais de 3 mil pessoas morreram em apenas 3 dias.

Em Barcelos, cidade antiga da região do Minho (que desde 1177 já era mencionada) havia um “bairro” exclusivo de judeus, pelo menos desde 1369. Tal bairro estaria próximo ao Hospital, perto da praça da vila que tinha uma sinagoga. Na época da expulsão contava com dois rabinos, e a Judiaria de Barcelos ficava na Rua Nova, que depois chamou-se Rua dos Lanterneiros (atualmente Rua do Infante D. Henrique). À comuna judaica integravam-se um outro grupo de cristãos-novos vindos doutras localidades, notadamente Guimarães e Porto. Doravante, as fronteiras étnicas foram-se erodindo quer pelo casamento, quer pela conversão. 

O mais interessante documento conhecido, segundo Manuel Abranches de Soveral, sobre os nomes adaptados pelos judeus batizados é uma genealogia dos cristãos-novos de Barcelos, escrita nos finais do século XVI, onde se inventariam todos os cristãos-novos da cidade, começando cada família com o judeu batizado (cristão novo), dando o seu nome original e, logo após, o nome que então adotou.

Cabe ressaltar, que foi regra geral à época, os judeus convertidos terem adotado patronímicos portugueses. Naquele tempo, da conversão, a comunidade era pequena. Segundo consta, dois de seus membros eram vistos como Rabinos: Mestre Thomáz da Victória e Isaac Cohen, ambos casados e com grande descendência. Os outros eram Francisco Netto e a esposa Velida Ruiva, Micol e Junca Montezinho, Velida e Isaac Rua, Rica e Mosén Montezinho, os castelhanos Benvinda e Junca Bencatel; Salomão Pés e sua esposa Mazaltov (filha do Rabino Cohen) e o casal Orovida e Santo Fidalgo – personagens deste ensaio genealógico.

E de Rica, minha ascendência, a qual tratarei em outra postagem no blog.

A esses judeus se integravam um grupo de cristãos-novos, como a família dos “Piolhos do Rabo”, vinda de Guimarães; dos “Salta em pé”, os “Cains” e as irmãs tripeiras de Vitória Braga.  Através das alianças comerciais ou matrimoniais essas famílias permaneceram unidas, não sendo difícil encontrar várias entroncadas. Talvez seja pela hostilidade local, já eu odiavam os judeus, o fato é que essas famílias permaneceram unidas por muito tempo.

Um fato interessante é que sessenta anos depois desta Conversão, observado o prazo da tolerância para a inserção, a Inquisição prendeu 23 cristãos-novos oriundos deste grupo. Pelos depoimentos é possível constatar que ainda restavam traços do Judaísmo nestas pessoas (GUERRA, Luis Bivar). Quase todos ainda “guordava ho sábado milhor q. pudia”, “assendia as suas candeias” e vestiam “camisas lavadas”. Lembravam-se do Yom Kippur (Dia do Perdão), “não comendo senão hua vez a noute”. Jejuavam várias vezes, o jejum da Rainha Esther e “o da destruição do tempollo de Jerusalém (o 9 de Av). Observavam o Pessach (Páscoa). GUIOMAR FERNANDES casherizava (fazia a comida de acordo com as leis alimentares judaicas), “desnervava a carne”. Todos acreditavam que “não era vyndo o mexias”. Maria Zores acrescentava que “avia de vir ate ho anno de sessenta”.

Válido lembrar que era proibido o funcionamento de sinagogas, os textos sagrados do judaísmo, e, vedado alguém ser rabino. Mas, uma grande parcela desses cristãos novos continuaria a judaizar secretamente, ameaçando o catolicismo, sendo esta, inclusive a causa primaz para a instauração do Tribunal do Santo Ofício em Portugal a partir de 1536. Consequentemente, as principais vítimas (cerca de 80%), das quais mais de quarenta mil pessoas envolviam cristãos novos, em grande parte, acusados de judaísmo.

Muitos dos meus ancestrais, assim como de muitos brasileiros, descendem deles. Mais de 500 anos se passaram da conversão obrigatória de Portugal, e, foi por reconhecer a injustiça com esse povo que Portugal editou em 2015 o Decreto- leu 30_A/2015 que passou a conceder a nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus Sefardita.

Pelo interesse na nacionalidade, muitos brasileiros foram atrás de suas arvores genealógicas até chegarem ao seu ancestral cristão novo (cerca de 12 a 19 gerações acima da sua) e buscam junto à COMUNIDADE ISRAELITA DE LISBOA (CIL) a certificação de ser descendente (condição primária para a concessão da nacionalidade portuguesa).

Em consequência, ocorreu um aumento de sites de genealogia e publicações de livros a respeito, pois como disse anteriormente, são muitos os brasileiros descendentes dos cristãos novos. Eu descendo de alguns, Pelas minhas pesquisas, pelo menos 5 - até agora- comprovados por documentos (postagens no blog).

 

 

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