Não
costumo postar algo que não esteja ligado direta ou indiretamente à história
dos meus ancestrais. Assim, fatos, pessoas e curiosidades dos locais em que
viveram não são menosprezados, mas, muito pelo contrário, são evidenciados para
construir um panorama que ajuda a entender a cultura em que estavam inseridos.
Entretanto,
ao receber uma mensagem onde um leitor aponta que gostaria de obter mais informações
sobre “O Coronel Ivo Abdias Furtado de Santa Cruz/RN”, resolvi abrir uma exceção e escrever o que
sei sobre ele, sem deixar de tecer algumas considerações a respeito.
Em
primeiro lugar, devo esclarecer que em outra postagem já tratei sobre a Guarda
Nacional e como os chefes políticos receberam as patentes pelas quais
passaram a ser conhecidos.
Eram
homens de posses que mantinham a “ordem pública” com uma estrutura de poder
quase absoluta, truculenta, autoritária e criminosa. Foi no Nordeste que atuação
dos “coronéis” teve mais amplitude, principalmente, no final do século XIX e primeiras décadas do século XX.
Jorge
Amado, melhor do que ninguém, traçou o retrato fiel dessa estrutura de poder,
onde o autoritarismo e conchavos políticos prevalecem, e, que tem reflexos até
hoje, onde amigos e parentes são candidatos a cargos eletivos municipais e a
cada eleição.
Com
muita frequência encontramos mais de 4 gerações da mesma família atuando na política.
São tios, primos, sobrinhos e, maridos que, tal qual acontecia na época dos
coronéis, disputam cargos eletivos, muitas das vezes seguidos de escândalos,
que mostram que a herança dos coronéis está presente na prática dos políticos
atuais.
Ultrapassadas
tais considerações, não deve causar espanto nenhum algumas informações sobre o “TENENTE
CORONEL IVO ABDIAS FURTADO DE MENDONÇA E MENEZES”, que é fruto de gerações
anteriores desse mesmo sistema.
Ele
nasceu em 15/11/1831 no Ceará. Faleceu em Santa Cruz em 1900. Sua família tinha grande poder político tanto no
Ceará como no Rio Grande do Norte.
Casou-se
duas vezes. A primeira com ANA ANGÉLICA SENHORINHA, falecida em 1864 aos 32
anos de idade. A segunda com MARIA DO ROSÁRIO LEOPOLDINA DE QUEIROZ (nascida
aproximadamente em 1849), filha de JOSÉ FAUSTINO DE QUEIROZ e THEREZA DE JESUS
MARIA. O casamento ocorreu em Santa Cruz em 21/11/1866, quando ele já era
deputado provincial, conforme registro abaixo.
foto arquivo pessoal
foto arquivo pessoal
Cabe
ressaltar que JOSÉ FAUSTINO DE QUEIROZ, seu sogro, nascido aproximadamente em
1816, também no Ceará, era filho do Tenente Coronel MIGUEL DE QUEIROZ LIMA e de
VISCÔNCIA (nascida por volta de 1793), filha de JOSÉ RODRIGUES DA SILVA e MARIA INÁCIA
CAVALCANTI.
Portanto,
JOSÉ FAUSTINO DE QUEIROZ era neto de JOSÉ RODRIGUES DA SILVA (nascido por volta
de 1767).
JOSÉ
RODRIGUES DA SILVA é apontado, juntamente com JOÃO DA ROCHA FREIRE E LOURENÇO
DA ROCHA FREIRE como “fundadores da cidade de Santa Cruz/RN". Mas, em relação a
JOSÉ RODRIGUES DA SILVA é mais provável que vivia no Ceará pelo menos até 1814, ano em que
sua filha ISABEL se casou, sendo pouco provável que tenha explorado qualquer
fazenda no local antes de 1820. Logo, não foi um dos fundadores do local.
Note-se
que desde os primórdios do século XIX já eram muitos os habitantes da
localidade, como comprova a criação da freguesia de Cuité de 1801, que registra
a “Fazenda de Caiçara da Ribeira do
Trairi, com habitantes da fazenda e os demais habitantes pela ribeira acima, de
uma e outra parte do rio”.
Como
sempre digo, Santa Cruz não surgiu com a criação da freguesia em 1835, apenas 4
anos após a fundação da povoação. Nem que uma igreja tenha sido antes uma simples
capela.
O
início do seu povoamento se deu bem antes da data apontada pela historiografia
oficial, acreditando ser, no mínimo, em 1801 pelas informações constantes da
criação da freguesia de Cuité.
O
fato é que tanto JOSÉ RODRIGUES DA SILVA como JOSÉ FAUSTINO DE QUEIROZ aparecem
como subscritores do abaixo assinado que pedia a criação da freguesia de Santa
Cruz/RN (1835). JOSÉ FAUSTINO devia ter 19 anos e JOSÉ RODRIGUES DA SILVA deveria ter em torno de 68 anos
de idade.
Outra
filha de JOSÉ RODRIGUES DA SILVA e MARIA INÁCIA CAVALCANTI, chamada ISABEL, se
casou com o português da ilha da MADEIRA, ANTONIO FURTADO DE MENDONÇA E MENEZES
em 18/11/1814, no Ceará. O casal teve 13 filhos, dentre os quais IVO ABDIAS e
JOB, este último nascido em 3/9/1826 também no Ceará.
Logo,
IVO ABDIAS FURTADO DE MENDONÇA E MENEZES era também neto de JOSÉ RODRIGUES DA
SILVA, primo de JOSÉ FAUSTINO DE QUEIROZ.
Como
é possível notar há um entrelaçamento entre as famílias mais poderosas na época
o que explica, típico do "coronelismo" e seus reflexos políticos.
Não
é nenhuma surpresa que com o passar dos anos o nome dos integrantes das famílias dos "coronéis" apareçam em destaque na sociedade local, como é o caso do tenente coronel/fazendeiro IVO ABDIAS FURTADO DE
MENDONÇA E MENEZES, que chegou a ser deputado provincial em 1866, mesmo ano de
seu segundo casamento com a filha de seu primo JOSÉ FAUSTINO DE QUEIROZ.
Por
óbvio, não causa nenhuma estranheza que ele, junto com outros da Guarda
Nacional – Capitão Fazendeiro Trajano José Farias e Tenente fazendeiro Félix Antônio
de Medeiros encabecem o abaixo assinado datado de 23/08/1875, que resultou na
lei de 11/03/1876, que elevou à categoria de vila a povoação de Santa Cruz.
Note-se
que o Padre ANTONIO RAFAEL, que era pernambucano, pároco da freguesia, consta como o primeiro dos signatários, o que me
leva a crer que naquela época já estava bastante íntimo dos fazendeiros que
detinham o poder político em Santa Cruz, dentre os quais o próprio IVO ABDIAS.
Reforçando a ideia de que ao prestar informações a MOREIRA PINTO, em 1889, sobre os fundadores da vila, o padre resolveu inserir o nome do avô do chefe político
da região e mais renomado na província - o próprio tenente coronel IVO ABDIAS
FURTANDO DE MENDONÇA e MENEZES. Acrescentando ainda, outros membros da família
ROCHA, que naquele tempo também eram chefes políticos poderosos.
Uma jogada de marketing para justificar o poder dos "coronéis" como verdadeiros "donos" do lugar, atribuindo a fundação do local a um de seus ancestrais.
Santa Cruz, como tantas outras cidades pelo Brasil afora, sofreu a influência do coronelismo, até mesmo em sua verdadeira história, que foi literalmente extirpada pelos tantos coronéis que fizeram dela uma verdadeira extensão de seus domínios feudais.
É preciso resgatar, com provas documentais, sua origem e seus verdadeiros fundadores, objetivo maior de minhas pesquisas históricas/genealógicas, sem qualquer influência de antigos "coronéis" ou mesmo daqueles que herdaram seu "modus operandi".