Inicialmente, devo registrar
que há referências da presença de judeus na Península Ibérica desde a
Antiguidade. Durante séculos os judeus que viviam no território que hoje
conhecemos como Portugal e Espanha não tiveram maiores problemas. Mas, na
medida que o tempo passava, tal comunidade prosperou devido, principalmente, ao
grande comércio português, com participação significativa dos judeus. Tal
situação gerou insatisfação na população não judaica, principalmente pelo fato
das comunidades judaicas acumularem grandes fortunas e controlarem o comércio
local.
O fato dos judeus terem
religião própria, com suas tradições foi de encontro a fé católica, que culpava
os judeus pela morte de Jesus Cristo. Somando-se a isso as grandes fortunas acumuladas
por eles, baseada na usura que os judeus praticavam nas transações comerciais,
o que via de regra, causava disputas econômicas e discórdias acabou por dar
origem a uma série de acontecimentos que lhe foram desfavoráveis.
Em 1492, os reis FERNANDO e
ISABEL, emitiram o Decreto de Alhambra, expulsando os judeus dos reinos de
Castela e Aragão, o que culminou em uma migração destes para as fronteiras com
Portugal onde procuraram abrigo. Muitos refugiados esperavam que o decreto de expulsão
fosse revogado, possibilitando assim o regresso a Espanha. Fato esse que não
aconteceu.
Em 1496, D. Manoel I (apelidado
de o Venturoso) de Portugal casou com D. Isabel I (filha dos reis católicos, Fernando
e Isabel, que emitiram o decreto de expulsão dos judeus). Uma das condições do
casamento era que o rei português devia expulsar os judeus de Portugal.
Já no mês seguinte ao
casamento ele decretou a ordem de expulsão dos judeus (e dos mouros também).
Caso não o fizessem seriam condenados à morte e todos seus bens seriam
confiscados pela coroa. Uma época terrível para os judeus. Mas, tal decisão não
foi muito bem vista pelo Conselho de Estado, vez que com a saída dos judeus de
Portugal ocorreria também a saída de capitais do país, prejudicando a economia nacional.
Em consequência, temendo a
derrocada financeira de Portugal o rei D. Manoel I ordenou que aqueles que se
convertessem ao cristianismo poderiam permanecer no país. Dando o prazo para
que esses judeus fossem batizados até a Pascoa de 1497. Os que não conseguiram
fugir foram convertidos forçadamente.
Os que saíram do país levaram grande
parte de suas fortunas, o que levou o rei em 1499 a proibir negócio (comércio)
com os judeus e impedia os conversos de saírem do reino sem prévia autorização.
Muitos dos convertidos,
chamados de cristãos novos (XN) conservaram a fé e as tradições judaicas, ou
seja, continuaram a praticar o judaísmo ainda que em segredo, Só se convertiam na
palavra.
Por conta de um incidente que
ocorreu em abril de 1506, envolvendo um cristão novo e cristãos velhos, uma
série de conflitos ocorreram. Muitos cristãos novos foram assinados, queimados
em fogueiras e seus bens pilhados.
Massacres ocorreram em Lisboa. Arrombavam portas de casas, em busca de
cristãos novos os quais eram queimados vivos. Mais de 3 mil pessoas morreram em
apenas 3 dias.
Em Barcelos,
cidade antiga da região do Minho (que desde 1177 já era mencionada) havia um
“bairro” exclusivo de judeus, pelo menos desde 1369. Tal bairro estaria próximo
ao Hospital, perto da praça da vila que tinha uma sinagoga. Na época da
expulsão contava com dois rabinos, e a Judiaria de Barcelos ficava na Rua Nova,
que depois chamou-se Rua dos Lanterneiros (atualmente Rua do Infante D.
Henrique). À comuna judaica integravam-se um outro
grupo de cristãos-novos vindos doutras localidades, notadamente Guimarães
e Porto. Doravante, as fronteiras étnicas foram-se erodindo quer pelo
casamento, quer pela conversão.
O mais interessante documento conhecido, segundo
Manuel Abranches de Soveral, sobre os nomes adaptados pelos judeus batizados é
uma genealogia dos cristãos-novos
de Barcelos, escrita nos finais do século XVI, onde se inventariam todos os
cristãos-novos da cidade, começando cada família com o judeu batizado (cristão
novo), dando o seu nome original e, logo após, o nome que então adotou.
Cabe ressaltar, que foi regra geral à época, os
judeus convertidos terem adotado patronímicos portugueses. Naquele tempo, da
conversão, a comunidade era pequena. Segundo consta, dois de seus membros eram
vistos como Rabinos: Mestre Thomáz da Victória e Isaac Cohen, ambos casados e
com grande descendência. Os outros eram Francisco Netto e a esposa Velida
Ruiva, Micol e Junca Montezinho, Velida e Isaac Rua, Rica e Mosén Montezinho, os castelhanos Benvinda e Junca
Bencatel; Salomão Pés e sua esposa Mazaltov (filha do Rabino Cohen) e o casal
Orovida e Santo Fidalgo – personagens deste ensaio genealógico.
E de Rica, minha ascendência, a qual tratarei em
outra postagem no blog.
A esses judeus se integravam um grupo de cristãos-novos,
como a família dos “Piolhos do Rabo”, vinda de Guimarães; dos “Salta em pé”, os
“Cains” e as irmãs tripeiras de Vitória Braga. Através das alianças comerciais ou
matrimoniais essas famílias permaneceram unidas, não sendo difícil encontrar várias
entroncadas. Talvez seja pela hostilidade local, já eu odiavam os judeus, o
fato é que essas famílias permaneceram unidas por muito tempo.
Um fato interessante é que sessenta anos depois
desta Conversão, observado o prazo da tolerância para a inserção, a Inquisição
prendeu 23 cristãos-novos oriundos deste grupo. Pelos depoimentos é possível
constatar que ainda restavam traços do Judaísmo nestas pessoas (GUERRA, Luis
Bivar). Quase todos ainda “guordava ho sábado
milhor q. pudia”, “assendia
as suas candeias” e vestiam “camisas lavadas”. Lembravam-se do Yom Kippur (Dia do Perdão),
“não comendo senão hua vez a noute”. Jejuavam
várias vezes, o jejum da Rainha Esther e “o da destruição do tempollo de Jerusalém” (o 9 de Av). Observavam o Pessach (Páscoa). GUIOMAR FERNANDES casherizava (fazia a
comida de acordo com as leis alimentares judaicas), “desnervava a carne”. Todos
acreditavam que “não era vyndo o mexias”. Maria Zores acrescentava que “avia de vir ate ho anno de sessenta”.
Válido lembrar que era proibido o funcionamento de
sinagogas, os textos sagrados do judaísmo, e, vedado alguém ser rabino. Mas, uma
grande parcela desses cristãos novos continuaria a judaizar secretamente,
ameaçando o catolicismo, sendo esta, inclusive a causa primaz para a
instauração do Tribunal do Santo Ofício em Portugal a partir de 1536.
Consequentemente, as principais vítimas (cerca de 80%), das quais mais de
quarenta mil pessoas envolviam cristãos novos, em grande parte, acusados de
judaísmo.
Muitos dos meus ancestrais, assim como de muitos
brasileiros, descendem deles. Mais de 500 anos se passaram da conversão obrigatória
de Portugal, e, foi por reconhecer a injustiça com esse povo que Portugal editou
em 2015 o Decreto- leu 30_A/2015 que passou a conceder a nacionalidade
portuguesa aos descendentes dos judeus Sefardita.
Pelo interesse na nacionalidade, muitos brasileiros
foram atrás de suas arvores genealógicas até chegarem ao seu ancestral cristão
novo (cerca de 12 a 19 gerações acima da sua) e buscam junto à COMUNIDADE
ISRAELITA DE LISBOA (CIL) a certificação de ser descendente (condição primária
para a concessão da nacionalidade portuguesa).
Em consequência, ocorreu um aumento de sites de
genealogia e publicações de livros a respeito, pois como disse anteriormente,
são muitos os brasileiros descendentes dos cristãos novos. Eu descendo de alguns, Pelas minhas pesquisas, pelo menos 5 - até agora- comprovados por documentos (postagens no blog).