terça-feira, 12 de março de 2013

HISTÓRIAS DE TRANCOSO - O COURO DO PIOLHO

Extraído do Livro Genealogia Sertaneja - CAPÍTULO XI

Essas “histórias” eu ouvi meu pai contar muitas vezes, e, como fazem parte da tradição oral do interior potiguar, eu não poderia deixar de mencioná-las neste livro.
Na verdade, no século XVI, Gonçalo Fernandes Trancoso fez sucesso em Portugal com seu livro “contos de proveito e exemplo” onde reuniu histórias que o povo contava sobre casos extraordinários e situações impossíveis de ocorrer.
No Brasil, as “Histórias de Trancoso” estão associadas a relatos fantasiosos e mentirosos. Não são simples lendas ou fábulas, pois não trazem especificamente ensinamentos morais e éticos, mas vêm acompanhadas de um mote e recheadas de “ditos populares”, como “antes que case, olhe o que fazes” ou “quem mal fala,
mal ouve”.
Esta primeira história (COURO DO PIOLHO) eu ouvi muito de meu pai, que a repetia várias vezes, tanto para os filhos como para os netos. Sempre gostei muito dela e sei até hoje de “cor e salteado”. Gostaria que meus netos, no futuro, dela tivessem conhecimento e soubessem que há mais de 150 anos ela é contada
na nossa família. Vem de Mané Franco, que a transmitiu para os filhos e netos, entre os quais meu avô Luiz Severiano da Costa, que a contava para os filhos, e meu pai Raimundo para os filhos e netos. De alguma forma, penso que registrando essas histórias neste livro, faço uma justa homenagem àqueles que na época em que não existia televisão, cinemas ou computadores, vivendo sem livros ou qualquer outro tipo de diversão ou entretenimento,se divertiam contando tais histórias.

 – COURO DO PIOLHO
"Meu pai veja minha mãe,
Que eu com Pinta matei sete,
De sete escolhi o melhor,
Atirei no que vi, matei o que não vi,
com lenha santa assei e comi,
bebi água sem ser da terra nem do mar,
se o pau é bom, a raiz é melhor,
tirei um bom dentro do melhor
e vi um morto carregando sete vivos
."

Há muito tempo atrás, existia um reino cuja princesa era uma solteirona, que queria se casar. Seu pai, o rei, divulgou para todo o reino que o súdito que quisesse casar com sua filha, herdaria todos os seus tesouros,
porém, para ganhar a mãoda linda princesa e herdar o tesouro, deveriam acertar duas respostas. Se errassem seriam mortos.
Estava assim o rei agradando a filha, embora, no íntimo, não quisesse nem entregá-la tampouco entregar sua fortuna. Assim, escolheu duas perguntas bem difíceis.
Pegou um piolho, bem grande, que tirou de sua cabeça e tirou seu couro e colocou-o dentro de uma caixa.
Esta era a primeira pergunta: o candidato teria que saber de qual bicho havia sido tirado o couro.
Os candidatos faziam fila. E o rei perguntava: “De que bicho é esse couro?”
Os candidatos respondiam: “De bode, boi, coelho, cachorro, etc.”.
O rei sorria a cada resposta dos reprovados e os mandava matar.
Uma viúva, mãe de três filhos mandou o primeiro, que foi e não voltou. Mandou o segundo que também não voltou.    O caçula quis ir, mas a viúva, que já tinha perdido dois filhos não queria que ele fosse. Mas ele insistiu deixando a mãe contrariada, com muita raiva, o que fez com que ela colocasse veneno dentro de um pão, para que ele comesse na viagem e morresse.
Ele partiu, seguido de Pinta, sua cadelinha. No caminho, desconfiado, resolveu dar o pão preparado por sua mãe para Pinta, que morreu na hora.
Como estava com fome, resolveu comer a carne da cadela. Fez fogo e já estava assando a carne quando chegaram sete caçadores, cada qual com uma espingarda nas costas.
Um dos caçadores disse que tinham apenas farinha, e como ele tinha carne, fariam uma farofa para comerem junto. Assim foi feito, só que o rapaz, desconfiado de que Pita tinha morrido pelo veneno e que sua carne estaria também envenenada, deixou que os caçadores comessem primeiro. Dito e feito, todos os
sete morreram.
Como ele precisava de uma espingarda, escolheu a melhor entre as sete e armado com ela seguiu em direção ao castelo do rei. No meio do caminho, com fome, avistou um pássaro, atirou, mas errou.
No entanto, outro pássaro que estava perto, assustou-se com o tiro e morreu.
Ele pegou o pássaro para comer a carne. Procurou lenha para fazer o fogo e não encontrou. Na beira da estrada avistou uma cruz, que alguém botou para marcar o local de um sepultamento. Arrancou a cruz e fez fogo. No fogo assou o pássaro e comeu.
Seguiu em frente, mas sentiu muita sede, não havia nenhum rio, córrego ou qualquer fonte de água por perto. Mas, havia um cavalo.
Montou no cavalo e o fez correr até suar muito, bebendo o suor. A noite armou uma rede em uma árvore, para dormir, quando chegou um fantasma e disse que no pé da árvore havia uma botija cheia de moeda de ouro. De manhã, cavou e achou a botija.
Partiu carregando o ouro quando avistou um touro comendo a lavoura de arroz. Percebeu que o touro havia saltado a cerca do roçado, daí consertou a cerca e botou o touro para fora. Seguiu viagem, passou por um rio que estava com um volume muito grande de água, e viu um boi boiando com sete urubus em cima.
Seguiu viagem e encontrou os sete fantasmas dos caçadores. Um deles estava com o ouvido no chão. Ele perguntou ao fantasma porque estava fazendo aquilo.
Ele disse que estava escutando missa em Roma.
Ele pediu para aquele espírito acompanhá-lo. Seguiram junto, quando se aproximaram do castelo do rei, pediu para o fantasma ouvir o que o rei estava conversandocom a princesa.
A princesa dizia ao pai: “Olha papai, lá vem outro amarelinho adivinhar o couro do piolho”.
Ora, o fantasma escutou tudo e falou para ele que ficou sabendo de qual bicho era o couro.
Chegando ao castelo, o rei foi logo perguntando: “De que bicho é esse couro?” Ele respondeu: “Piolho”. Todos ficaram surpresos.
O rei então disse: “Está correto, mas falta ainda a adivinhação, que nem eu e nem meus sábios poderemos acertar”.
Nessa hora ele contou a própria história em forma de adivinhação:
Ele disse:
“Meu pai veja minha mãe,
Que eu com Pinta matei sete,
De sete escolhi o melhor,
Atirei no que vi, matei o que não vi,
com lenha santa assei e comi,
bebi água sem ser da terra do mar,
se o pau é bom, a raiz é melhor,
tirei um bom dentro do melhor
e vi um morto carregando sete vivos
”.
Todos ficaram pensando durante dias e ninguém acertou.
Então o rei teve que cumprir a promessa e entregou a princesa e todos seus
tesouros ao rapaz.

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