sexta-feira, 30 de abril de 2021

BEATRIZ MARQUES - CRISTÃ NOVA - FILHA DE INÊS DE XEREZ E MARCOS AFONSO

Devido ao grande interesse que tem despertado ultimamente, em grande parte fundado na possibilidade de certificação junto à Comunidade Israelita de Lisboa, que é fundamental para obtenção de nacionalidade portuguesa considerada a ascendência Sefardita, muitos passaram a se interessar pelos processos do Tribunal do Santo Ofício com acusações de práticas judaizantes.

Alguns de meus ancestrais cristãos novos.

Atualmente, tenho conhecimento de 4 ancestrais, que já foram certificados pela CIL. São eles:

- Beatriz Marques (da Ilha de São Miguel, Açores – Portugal), através de sua sobrinha Águeda Moniz.

- Camila Fernandes e Domingos Gonçalves, que viveram em Barcelos, Braga, Portugal entre 1570/1630 (vide postagem no blog)

- Guiomar Alvares, da Ilha de São Miguel, através do processo de seu irmão o advogado Henrique Soares (vide postagem no blog)

- Isabel Dias, nascida por volta de 1590 na Ilha de Santa Maria (através dos Borges).

E, outra ancestral ANA DE SOUSA, também da ilha de São Miguel nos Açores, que foi certificada, mas que ainda estou pesquisando os documentos comprobatórios. Oportunamente, farei uma postagem.

Quanto a BEATRIZ MARQUES, ela é também ancestral dos irmãos Medeiros – muito conhecidos no Seridó, por terem deixado muitos descendentes.

Ela descende de Inês de Xerez, cristã nova castelhana, que viveu na ilha de São Miguel nos Açores. Ela foi casada com Marcos Afonso, um mercador rico, também castelhano, tendo o casal vivido na Ribeira Grande na Ilha de São Miguel, nos Açores.

            Segundo Gaspar Fructuoso, em seu livro Saudades da Terra[1]:

“Casou Mécia Roiz, a segunda vez, como Diogo Anes, nessa Ilha de São Miguel onde veio ter, muito rica, depois de viúva, de quem houve esses filhos: Pedro Anes Furtado, clérigo, beneficiado na Vila da Ribeira Grande. Manuel Roiz Furtado que se casou com BEATRIZ MARQUES, filha de Marcos Afonso e Inês de Xerez, natural de Xerez da Fronteira”.

Extrai-se a informação da filiação de BEATRIZ MARQUES, como sendo filha do casal e, ainda, o marido dessa como Manuel Roiz Furtado, além da procedência do casal como sendo de “Xerez da Fronteira[2].

            Fructuoso também aponta como filha do casal ELVIRA MARQUES, casada em segundas núpcias com JOÃO MARTINS, filho de Cristóvão Martins, também castelhano da cidade de Xerez. 

“Outro filho de Cristóvão Martins e de Isabel Muniz, chamado João Martins se casou com ELVIRA MARQUES, viúva, filha de Marcos Afonso, de quem houve um filho e duas filhas, Catarina Muniz, casada com Braz Martins e Águeda Muniz, casada com Álvaro Lopes da Costa, filho de João Carneiro Lopes. ”    

 

                   Rodrigo Rodrigues[3] afirma que “João Martins Moniz, (Vid. Frutuoso Liv. IV Cap.º XX § XXIV). Casou com Elvira Marques, viúva de Fernão Tavares e filha de Marcos Afonso e Inês de Xerez. Tiveram: Agueda Moniz, casada com Álvaro Lopes da Costa e Catarina Moniz.” A terceira filha conhecida do casal é LEONOR MARQUES, cuja filiação vem comprovada pelo Livro de Reconciliações da Visitação das Ilhas dos Açores e Continente [4], acusada de práticas judaizantes, onde a mesma declara ser filha de Inês de Xerez.

Assim, são conhecidas como filhas do casal MARCOS AFONSO e INÊS DE XEREZ: 1) BEATRIZ MARQUES, ao que tudo indica era filha mais velha, 2) ELVIRA MARQUES (mãe de ÁGUEDA MONIZ[5]) e 3) LEONOR MARQUES (mãe de INÊS MARQUES).


“Aos vinte e nove dias do mês de novembro de mil quinhentos e setenta e cinco, na cidade de Ponta Delgada da ilha de São Miguel, na pousada do senhor Licenciado Marcos Teixeira, Inquisidor e visitador em todas as ilhas doa Açores, perante ele apareceu Leonor Marques[1], viúva, mulher que foi de Francisco Peres, mercador, já defunto, morador que foi nesta cidade, o qual Francisco Peres era castelhano, a qual disse que se vinha acusar de um jejum que fizera da Rainha Ester, e para em tudo falar verdade lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs sua mão e prometeu de a dizer; e logo disse que Inês de Xerez, sua mãe, castelhana já defunta...”



[1] Leonor Marques, cristã nova, restou sentenciada pelo Santo Ofício, na Inquisição de Lisboa. Condenada a ser queimada na fogueira (auto de Fé de 1/04/15820.

             Segundo Rodrigo Rodrigues, na obra citada (Genealogias de Santa Marta e São Miguel) MANUEL RODRIGUES FURTADO, que aparece também como Manuel Roiz Furtado, se casou com BEATRIZ MARQUES.



" Manuel Rodrigues Furtado, que casou com Beatriz Marques, que morreu a 19.7.1568 na Matriz da Ribeira Grande com testamento sendo testamenteiro o marido. Era filha de Marcos Afonso e Inês de Xerez”.

            Consta da Nota número 2.


Sua mulher Beatriz Marques era irmã de Elvira Marques que casou em primeiras núpcias com Fernão Tavares e em segundas com João Martins (Cap.º 164.º § Único, N.º 2). É a uma filha destes, Águeda Moniz, mulher de Álvaro Lopes da Costa que fez o Padre Matias Nunes Furtado uma doação por escritura de 27.8.1578 para a mesma Agueda [Moniz] casar com o dito Álvaro Lopes [da Costa]. Dos bens e encargos desta doação deu contas a dita Agueda Moniz e depois Pedro Furtado do Canto e sua mulher Isabel Pacheco, que desistiram dos bens em 1677.

                         BEATRIZ MARQUES morreu a 19.7.1568 na Matriz da Estrela, Concelho da Ribeira Grande, Ilha de São Miguel, Açores, com testamento, sendo testamenteiro o marido Manuel Rodrigues Furtado, que aparece nos documentos paroquiais como Manoel Roiz ou Manuel Roiz Furtado, o qual faleceu antes de 1582, também na Ribeira Grande, Ilha de São Miguel de Açores, Portugal.

                        Filho do casal : Padre Manoel Roiz Furtado conforme informou Agueda Muniz em suas confissões. Foi cura da Igreja de Maia, na Ribeira Grande (segundo Gaspar Fructuoso).  Nas confissões de Águeda Muniz e duas denúncias apresentadas contra ele à Inquisição em 1592, afirma Águeda Muniz ser ele pai de duas crianças chamadas Beatriz e Mateus, ambas criadas por ela.

                               Beatriz Furtado se casou em 09/07/1607, na Matriz de Nossa Senhora da Estrela, Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores, Portugal com  Manuel Roiz da Rocha. Foi batizada na mesma igreja como filha de pais ignorados, sendo padrinhos o Beneficiado daquela Matriz, Padre Duarte Lopes e Águeda Muniz, que a criou, conforme a própria disse nas confissões perante o Tribunal do Santo Ofício.

                        A mãe não foi identificada e, não há indicação de quem fosse, embora tenha o parto sido feito em casa, o que indica que era conhecida por Águeda, mas a mesma não apontou quem fosse.

                         Uma filha de Beatriz Furtado com Manuel Roiz da Rocha foi Maria de Medeiros, se casou  com Francisco Lopes da Costa  em  15/10/1650 em São Pedro da Ribeira Seca, Ilha de São  Miguel, Açores, Portugal.  Faleceu em 29/09/1676, na Ribeira Seca, ilha de São Miguel, Açores, Portugal. 

                        O casal teve Maria de Medeiros Rocha, foi batizada em 11/07/1653, na Ribeira Seca, Ilha de São Miguel. Açores, Portugal. Casou em 21/11/1674, com Bartolomeu Frias Camelo, na Ribeira Seca, Ilha de São Miguel, Açores, Portugal.

                        O casal teve a filha Maria de Medeiros Pimentel, batizada na Ribeira Seca, Ilha de São Miguel, Açores, Portugal, em 10/01/1675. Casou com o alferes Manuel de Matos em 17/06/1693. Faleceu em 21/11/1734 na Ribeira Seca., Ilha de São Miguel, Açores, Portugal.

                        Seus filhos SEBASTIÃO DE MEDEIROS MATOS, nascido em 19/01/1716, na Ribeira Seca, imigrou para o Brasil, onde se casou, por volta de 1740 com ANTONIA DE MORAIS VALCÁCER, em Santa Luzia , Paraíba. e RODRIGO DE MEDEIROS ROCHA, nascido em 21/01/7109 na Ribeira Seca, Ilha de São Miguel, Açores, Portugal. Casou-se em Santa Luzia, no estado da Paraíba , Brasil com APOLONIA BARBOSA. Falecido em 12/01/1757 em São João do Sabugi, Estado do Rio Grande do Norte, Brasil.

                        Esta é a origem  judaica de um ramo da família Medeiros do Seridó brasileiro, descendentes  dos irmãos SEBASTIÃO E RODRIGO.



[1] Fructuoso, Gaspar. Saudades da Terra, 1590. Liv. IV, Cap.º XX § XXIV.

[2] Em castelhano,  Jerez de la Frontera  está localizada em  Cádis, na  Andaluzia, Espanha, onde centenas de criptojudeus foram condenados à fogueira pela Inquisição.

[3] Genealogias de Santa Maria e São Miguel.

[4] PT-TT-TSO-IL-038-0796 - https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4384802, consulta em 16/01/2021.

[5] Águeda Moniz, cristã nova, foi condenada por judaísmo e abjuração leve, penitências espirituais e pagamento de custas. Luiz Fernando Pereira de Melo – Um ramo judaico dos Medeiros no Seridó -2020.


CRISTÃOS NOVOS NA PENINSULA IBÉRICA

                 Para entender melhor o panorama existente nos Açores em relação aos processos que tramitaram perante o Tribunal do Santo Ofício, território autônomo de Portugal, durante os séculos XVI, XVII e XVIII, necessário se faz explanar sobre a conversão obrigatória dos judeus na Península Ibérica.

Inicialmente, devemos registrar que há provas documentais da presença de judeus na Península Ibérica desde a Antiguidade.

Durante séculos os judeus que viviam no território que hoje conhecemos como Portugal e Espanha não tiveram maiores problemas. Mas, com o passar do tempo, a comunidade prosperou tanto, devido principalmente, ao grande comércio português, pois contava com a participação significativa dos judeus. Tal situação gerou insatisfação, principalmente levando-se em conta que as comunidades judaicas começaram a crescer muito acumulando riquezas que deixavam os demais com muita inveja.

Somando-se a isso, apoiados na expulsão dos judeus da Espanha (Andaluzia), tal fato culminou com a conversão obrigatória de 1497, no reinado de D. Manuel I, quando todos os judeus que não conseguiram sair do país foram batizados compulsoriamente, tiveram que abandonar os seus nomes e adotar nomes cristãos (quer nomes próprios, quer de família).

A princípio, foi dado o prazo de dez meses para que os judeus deixassem o reino. Mas, em face da evidente perda financeira e de mão de obra especializada que ocorreria com a saída dos judeus, foi feita a conversão forçada ao cristianismo, quando foram batizados em pé e à força, sendo designados cristão-novo ou converso/convertido (ele e seus descendentes), em contraposição aos cristãos-velhos. A expressão foi muito difundida pelo Tribunal da Inquisição.

Sem permissão para o funcionamento de sinagogas, sem rabinos reconhecidos, impedidos da leitura de textos sagrados do judaísmo, grande parte desses cristãos novos, mesmo após a conversão, continuavam fieis da sua religião original, o que ameaçava o catolicismo. Esses cristãos-novos (denominados criptojudeus ou, de forma pejorativa, marranos) inventaram formas de esconder sua convicção religiosa. E, não tiveram mais sossego. Muitos foram perseguidos, razão pela qual fugiram para o norte da África, Países Baixos, Brasil e Açores (lugares receptivos para os cristãos-novos por poderem praticar suas atividades com relativa liberdade).

Em Portugal, até a última década do século XV, a situação ainda era melhor que na vizinha Espanha, pois a partir de 1478, com a fundação da Inquisição Espanhola, os cristãos novos viraram foco dela, que, por óbvio, não julgava sincera a adesão forçada ao catolicismo.

Em 1492, veio o decreto de expulsão do reino caso recusassem a conversão. Tal medida dos reis católicos, Fernando e Isabel, buscava a unificação dos reinos de Aragão e Castela. Com isso muitos cristãos novos castelhanos fugiram.

Apesar das conversões forçadas dos judeus para o catolicismo, no qual se tornavam cristãos-novos, como já dissemos, estes, com raras exceções, não se convertiam de fato; apenas se passavam por católicos para usufruírem os mesmos privilégios dos demais cidadãos. Em sua particularidade, viviam sua religiosidade.

O Tribunal do Santo Ofício sabia da prática do criptojudaísmo e por isso, infiltrava-se no seio das famílias hebraicas, como em geral eram chamadas tais famílias.

O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em Portugal foi instituído, definitivamente, depois de diversas tentativas, pela Bula do Papa Paulo III, em 23 de maio de 1536, isto é, quarenta anos após a "expulsão" dos judeus das terras lusitanas, em 5 de dezembro de 1496, por édito promulgado pelo rei Dom Manuel I. Geralmente os “crimes” condenados pela Inquisição eram a bruxaria, bigamia, protestantismo, judaísmo, islamismo, homossexualismo e outras “heresias”.

“O tribunal do Santo Ofício lançou os seus tentáculos sobre o arquipélago dos Açores em meados dos anos 50 do século XVI. De fato, em 1555, recebeu alguns açorianos enviados presos pelo bispo de Angra. Era a "entrada" no arquipélago de um tribunal que vinha abrindo espaço de manobra por todo o reino e seus domínios. À leva de detidos de 1555, outras se seguiram, as quais, a par com a finta realizada aos cristãos-novos das ilhas em 1558, fizeram de 1555-1559 um quadriénio fundamental para a afirmação do Santo Ofício nos Açores. Em 1575-1576 realizou-se a primeira visitação inquisitorial ao arquipélago. Esta e as duas que se lhe seguiram, a de 1592-1593 e a de 1619-1620, foram momentos fundamentais na implantação do tribunal nos Açores, traduzindo-se por algumas prisões e pela clara e efetiva tomada de consciência, por parte dos açorianos, de que a partir de então nada voltaria a ser como antes”. ***    

A Inquisição processou por judaísmo, entre 1557 e 1802, 112 moradores no arquipélago dos Açores. Mas, muitos foram os que o tribunal inquiriu de outras formas, nomeadamente nas visitações. Nas de 1592-1593 e 1619-1620, foram denunciadas várias pessoas, muitos castelhanos ou filhos e netos desses.

Em geral, eram os hábitos das pessoas que promoviam as denúncias. Por exemplo: se guardavam o sábado, se não comiam carne de porco, se trabalhavam aos domingos, se não observavam os demais preceitos da Igreja Romana, de acordo pleno com suas normas. Podemos dizer que muitos cristãos-novos e seus descendentes mantiveram seus hábitos oriundos do judaísmo, sendo certo que embora tenham teimosamente persistido na religião de Moisés, houve cristãos-novos e/ou seus descendentes que a Inquisição não conseguiu pegar. Logo, o número de cristãos novos nos Açores foi muito maior do que aqueles que foram processados pela Inquisição.

 

*** A INQUISIÇÃO E OS SOLDADOS DOS PRESÍDIOS AÇORIANOS (1592-1619), Paulo Drumond Braga, https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/279/1/Paulo_Braga_p. 55-63.pdf